segunda-feira, 30 de outubro de 2017

O PAPEL DO TREINADOR NO ESPORTE INFANTIL

Os treinadores tem um enorme potencial em determinar como as práticas podem ter seus resultados benéficos alcançados, ao mesmo tempo em que evitam resultados negativos, por serem estes os definidores e responsáveis pelos valores e padrões morais a serem respeitados em cada contexto.


A grande maioria das pessoas entra em contato com o esporte e os exercícios físicos ainda durante a infância ou adolescência, geralmente por meio das brincadeiras de rua, das aulas de educação física nas escolas ou das escolinhas de esportes. Boa parte dos adultos segue praticando alguma atividade física regular ao longo de quase todo ciclo vital, impactando em sua saúde e qualidade de vida. Além destas manifestações esportivas, os grandes eventos, como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de Futebol, ambos realizados recentemente no Brasil, também atraem a atenção de uma multidão de pessoas ao redor de todo o planeta, que buscam uma forma de entretenimento através de sua audiência. Em nosso país, o futebol, principalmente, atrai milhares de pessoas aos estádios semanalmente. Vemos assim, o grande impacto que o Esporte tem em nossa sociedade.

De certa forma, o esporte reflete e reforça os valores da sociedade onde está inserido, dependendo do seu contexto social e cultural, das características de cada modalidade esportiva e da forma como ele é praticado (Hardman & Jones, 2011). Assim, o esporte infantil tem o potencial de desenvolver diversas normas sociais e valores ético-morais nos jovens praticantes, podendo ser um importante instrumento de educação, de promoção da saúde e de integração e desenvolvimento social. No entanto, qualquer pessoa que esteja envolvida com a prática esportiva de crianças pode perceber que ela não pode ser considerada benéfica por natureza, não sendo raros os casos de desenvolvimento da simulação, da mentira, da exclusão social e da marginalização nestes contextos. Isso sem falar do esporte de alto nível, onde vemos casos de doping, desrespeito às regras, agressões e violência. Então o que faz o esporte ser bom ou ruim? Quais os responsáveis para que isto ocorra?

Certamente, o que faz a prática esportiva ser benéfica, ou não, é a forma como ele é praticado e os valores que estão presentes durante a sua prática, implicando assim em uma enorme responsabilidade dos treinadores esportivos para além do aumento do rendimento ou do desenvolvimento das habilidades e capacidades físicas, técnicas e táticas próprias de cada modalidade. Assim, os treinadores tem um enorme potencial em determinar como as práticas podem ter seus resultados benéficos alcançados, ao mesmo tempo em que evitam resultados negativos, por serem estes os definidores e responsáveis pelos valores e padrões morais a serem respeitados em cada contexto.

Neste sentido, Simon (2013) coloca que o esporte demanda que os jovens (crianças e adolescentes) devem reconhecer o valor dos adversários não apenas como meio para seu autodesenvolvimento, mas também como iguais que também estão em desenvolvimento e em busca da excelência. Segundo este autor, esta concepção previne que o praticante de esporte use aos demais simplesmente para satisfazer seus fins esportivos pessoais ou veja seu próprio autodesenvolvimento como mais importante. Mais uma vez o treinador assume um papel principal no esporte infanto-juvenil, pois este é o responsável por disseminar estes valores e modificar os comportamentos dos seus alunos/atletas.

Vemos assim que, como já foi falado acima, a prática esportiva de crianças e adolescentes não deve ter disseminada a busca por vitórias a qualquer custo, e muitos outros valores devem ser considerados. Um caso interessante para reflexão sobre este ponto foi trazido à tona em uma matéria veiculada em junho deste ano pela mídia espanhola (El País). Segundo aquele jornal, um treinador de futebol de crianças com idade entre 10 e 11 anos foi demitido de seu clube após ter vencido uma partida por 25 a 0, pelo fato dos diretores terem considerado o ocorrido como uma humilhação aos adversários. Para nós brasileiros, acostumados a vermos demissões de treinadores apenas após as derrotas das equipes, esta matéria pode chamar a atenção, mas ela acaba por demonstrar o que acabamos de discorrer. No contexto do esporte infantil não podemos desconsiderar os valores para além da busca pelas vitórias, e o adversário precisa ser considerado, mesmo que as regras formais do jogo não estejam sendo descumpridas.

Esta matéria pode nos fazer pensar sobre alguns aspectos da prática profissional de treinadores esportivos de crianças e adolescentes. Por exemplo, podemos refletir sobre o papel do treinador em um contexto onde os pais projetam uma carreira como atleta profissional para o filho, mas este não parece demonstrar o mesmo interesse, ou na sua função ao verificar que um atleta talentoso está priorizando o esporte em detrimento da escola e dos estudos, ou ainda, na forma como deveria agir um treinador ao verificar que está havendo a exclusão de algumas crianças por demonstrarem menores aptidões no esporte que está sendo praticado.

Com tudo isso e com o enorme impacto do esporte na vida das pessoas e das sociedades, devemos sempre refletir sobre a sua prática e sobre os valores que o embasam, pois somente assim poderemos propiciar uma prática saudável, eficiente e eficaz no mister de desenvolver não apenas atletas, mas cidadãos plenos, com consciência de seus valores, de suas potencialidades e limitações, contribuindo assim com uma sociedade mais justa, assumindo os treinadores um papel fundamental. Creio que a função do treinador de crianças e adolescentes deve ir muito além daquela de técnico, no sentido de ensinar gestos técnicos de cada modalidade, mas promover um espaço onde os alunos e atletas encontrem formas de trilhar um caminho para uma vida plena, dentro ou fora do esporte, através da integração social e disseminação dos bons valores e costumes de sua sociedade na busca da sua excelência pessoal.

Enfim, não creio ser possível pensarmos no trabalho dos treinadores apenas como pessoas que possuem um bom domínio dos gestos esportivos ou das táticas de jogo, sendo fundamental refletirmos sobre o seu papel como educador e modelo para os jovens, onde os princípios que adotam em seus trabalhos terão reflexos por toda a vida dos seus atletas, podendo estes ser para o bem ou para o mal.

Referências

Hardman, A. R.; Jones, C.The Ethics of Sports Coaching. Editora Routledge, Nova York – USA, 2011.

Simon, R. L.The Ethics of Coaching Sports: Moral, Social, and Legal Issues. Editora Westview Press, USA, 2013.

El País, Demitido por marcar gols demais. Publicado em 15/06/2017 emhttps://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/14/deportes/1497472371_664195.html acessado em 20/09/2017.

Carlos Drigo– Educador Físico e Psicólogo. Especialista em Psicologia do Esporte. Mestrando em Desenvolvimento Humano e Tecnologias – UNESP – Rio Claro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário