Professor dá explicação científica para questão que intriga os profissionais da área.
O sobrepeso e a obesidade, caracterizados pelo acúmulo excessivo de gordura corporal, são reconhecidos fatores de risco para diversas doenças crônicas não-transmissíveis, como as doenças cardiovasculares, diabetes, diversos tipos de câncer, dentre outras (WHO, 2016).
Um recente estudo com mais de 19 milhões de pessoas em todo o mundo demonstrou um rápido e preocupante aumento na prevalência de obesidade entre os anos de 1975 e 2014, indo de 3,2% para 10,8% entre os homens, e de 6,4% para 14,9% entre as mulheres (NCD Risk Factor Collaboration, 2016). Atualmente, mais de 1,9 bilhões (38%) de adultos no mundo apresentam sobrepeso, enquanto mais de 600 milhões (13%) são obesos (WHO, 2016).
No Brasil, o sobrepeso já atinge 56,9% da população adulta, enquanto a obesidade atinge 20,8% das pessoas (BRASIL, 2015).
Além das doenças crônicas, o sobrepeso e a obesidade estão associados a um problema ainda mais impactante, o aumento do risco de mortalidade.
O maior estudo até o momento investigando essa relação envolveu uma meta-análise com cerca de 4 milhões de pessoas, que foram acompanhadas, em média, por 14 anos (Global BMI Mortality Collaboration, 2016). Nesse período, mais de 385 mil pessoas morreram. Os resultados demonstraram que, em comparação com o grupo referência (índice de massa corporal [IMC] entre 22,5 a 25 kg/m2), todos as outras categorias de IMC apresentaram um elevado risco de mortalidade, exceto a categoria de IMC entre 20 a 22,5 kg/m2(ver figura abaixo).
Interpretando a figura, observamos que os indivíduos com IMC entre 30 e 35 kg/m2, por exemplo,apresentaram 1,5 vezes (ou 50%) maior chance de morrer no período de 14 anos em comparação ao grupo referência. Do mesmo modo, as pessoas com IMC entre 35 e 40 kg/m2e entre 40 e 45 kg/m2apresentaram, respectivamente, 1,9 (90%) e 2,8 (180%) vezes maior chance de mortalidade nesse período.
Adaptado deGlobal BMI Mortality Collaboration (2016).
Tais conhecimentos sobre os malefícios do sobrepeso/obesidade levam a um quadro em que a maioria da população está insatisfeita com o seu corpo e deseja reduzir o seu peso corporal (Yaemsiri et al, 2011;Coelho et al, 2015).
Apesar de saber que tal desejo também está relacionado com diversos outros fatores sociais e culturais, quando consideramos apenas os aspectos de saúde,qual objetivo seria o mais importante: perder peso/gordura ou melhorar a aptidão física?
Nos últimos anos, diversas revisões narrativas têm sugerido que o nível de aptidão física (principalmente a aptidão cardiorrespiratória) seria um fator mais relevante para a mortalidade e para a saúde em geral do que o peso/gordura corporal ou o nível de sobrepeso/obesidade (Pedersen, 2007;Hainer et al, 2009;Fogelholm 2010).
Para aprofundar o conhecimento sobre esse tema, uma meta-análise quantificou a associação conjunta da aptidão cardiorrespiratória e do IMC na mortalidade por todas as causas (Barry et al, 2014). No total, 10 estudos foram incluídos, em que aproximadamente 93 mil pessoas foram acompanhadas por cerca de 12 anos, com um total de 6.663 mortes no período. Os indivíduos com peso normal e moderada/boa aptidão cardiorrespiratória foram estabelecidos como o grupo referência para as comparações (valor 1,0 na figura abaixo).
Os resultados demonstraram que, para todos os níveis de IMC (peso normal, sobrepeso ou obesidade), os indivíduos que possuíam baixa aptidão cardiorrespiratória tiveram cerca de 2 vezes mais chance de morrer no período estudado. Por outro lado, os indivíduos que possuíam moderada/boa aptidão cardiorrespiratória não tiveram o risco de mortalidade alterado, mesmo quando apresentavam sobrepeso ou obesidade (Barry et al, 2014;Gaesser et al, 2015).
Tais resultados continuam sendo corroborados por recentes estudos individuais como, por exemplo, um envolvendo cerca de 30 mil pessoas (McAuley et al, 2016) e outro com cerca de 17 mil pessoas pré-diabéticas (McAuley et al, 2014).
Uma importante limitação da meta-análise acima mencionada é a utilização apenas do IMC, que não é uma medida tão apropriada da gordura corporal. Porém, estudos muito similares, utilizando-se de medidas mais específicas como a circunferência de cintura, relação cintura-quadril, relação cintura-altura e gordura corporal em si, tanto em conjunto ou separadamente, têm demonstrado resultados similares, ou seja, que uma moderada/boa aptidão cardiorrespiratória elimina o elevado risco de mortalidade prematura associado ao sobrepeso/obesidade (Farrell et al, 2010;Farrell et al, 2014;McAuley et al, 2014).
Assim como para a mortalidade, recentes evidências também têm demonstrado a importância de uma moderada/boa aptidão física/cardiorrespiratória para outros importantes aspectos da saúde, como a pressão arterial, níveis de colesterol e saúde cardiovascular em geral, independentemente do peso/gordura corporal (Després 2015;Gaesser et al, 2015;Ross et al, 2015).
Especificamente em relação ao desenvolvimento de diabetes tipo 2, as atuais evidências são controversas, com alguns estudos indicando uma maior importância para a aptidão física (Crump et al, 2016;Katzmarzyk 2016), e outros para o peso/gordura corporal (Fogelholm 2010;Nguyen et al, inpress).
Além disso, a Associação Americana do Coração publicou um posicionamento em 2016 enfatizando a necessidade da avaliação clínica da aptidão cardiorrespiratória, além das tradicionais avaliações de tabagismo, hipertensão, colesterol e glicemia, devido a sua importante relação com a mortalidade e doenças cardiovasculares (American Heart Association, 2016).
Vale lembrar que não abordamos todos os possíveis problemas relacionados ao sobrepeso/obesidade como, por exemplo, asdesordens musculoesqueléticas. Ainda,a perda de peso/gordura, por si só, também pode trazer diversos benefícios à saúde (Kramer, 2015), assim como uma alimentação saudável.
Porém, as evidências aqui apresentadas indicam que, independentemente do peso/gordura corporal e da sua eventual redução, uma maior preocupação com a aptidão física (em especial a aptidão cardiorrespiratória) parece ser um objetivo mais importante quando a preocupação é a saúde em geral.
RECOMENDAÇÕES BASEADAS EM EVIDÊNCIAS
1)A redução do peso/gordura corporal é um objetivo muito visado por profissionais da saúde e pela população em geral, uma vez que é um importante fator de risco para mortalidade e diversas doenças crônicas.
2)Porém, diversas evidências demonstram que possuir uma moderada/boa aptidão física (em especial a aptidão cardiorrespiratória), independentemente do peso/gordura corporal, parece ser mais importante para diversos aspectos da saúde, como pressão arterial, níveis de colesterol, saúde cardiovascular em geral e, principalmente e mais relevante, para a mortalidade.
Bruno Smirmaulé doutor em atividade e saúde, professor universitário, fundador e autor principal do site “EFBE – Educação Física Baseada em Evidências”.
REFERÊNCIAS:
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Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Pesquisa Nacional de Saúde: 2013. Ciclos de Vida. Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2015. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv94522.pdf. Acessado em 2016 (Dez 19).[link]
Coelho CG, Giatti L, Molina MD, Nunes MA, Barreto SM. Body Image and Nutritional Status Are Associated with Physical Activity in Men and Women: The ELSA-Brasil Study. Int J Environ Res Public Health. 2015 May 29;12(6):6179-96.[link]
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Texto originalmente publicado emwww.efbe.com.br
Por:Bruno Smirmaul
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